quarta-feira, 27 de maio de 2009

Excerto !






No maior, segredo, o fétero foi traslado de Santa Clara para Santa Maria de Alcobaça. Uma vez na abadia, não chegou a entrar na igreja. Foi depositado numa sala contígua, onde D. Pedro, apenas acompanhado pelos soldados, fez saltar os selos do caixão.
O fedor foi insuportável. O esqueleto de Inês perfilava-se dentro das vestes com que tinha sido sepultada. Do toucado soltavam-se alguns cabelos que ainda conservavam a sua lendária cor, mas já não tinham brilho nem vida. As mãos descarnadas cruzavam-se sobre o peito e continuavam a apertar a cruz que fora de D. Constança. D. Pedro, desafiando o receio, aproximou-se e soltou um grito.
O lamento ressoou pela cúpula, expandiu-se pelo mosteiro e passou para lá daqueles santos muros. Era um grito animal, de uma besta ferida. Um grito que visava todos os Portugueses de que o Rei acabava de sair do seu sonho de paixão e vingança para encarar de frente a certeza da morte de Inês.
O que os súbitos não souberam foi a que a seguir rompeu em pranto. Chorou pelo amor perdido, pela espiral de sangue em que estivera envolvido, pelos seus filhos sem mãe, pela sua vida sem esperança. Até chorou de remorso, acusando-se de ter provocado a morte de Inês por causa do seu amor. Chorou, enfim, tudo o que não chorara durante seis anos que tinha vivido sem Inês, ocupado como estivera em saciar a sede de vingança.
Quando era dia claro reunir a corte. A todos surpreendeu ver no centro da sala o féretro anoso, rodeado por quatro círios e quatro oficiais de guarda real. À cabeceira, uma cruz. Aos pés, sobre uma almofada de veludo carmesim, a coroa das rainhas de Portugal.
Um a um, desfilaram cortesãos e ministros, homens bons e servidores. Todos tentavam não olhar para o interior do catafalco, mas um gesto inquisidor do seu Rei obrigava-os a fazer o que não queriam. Depois, por imperativo real, deviam inclinar-se diante dele e exclamar:
- Salve D. Inês de Portugal.
Acabado o desfile fúnebre. D. Pedro pegou na coroa e , depois de a colocar com delicadeza sobre os amados restos, declarou com voz solene:
- Eu te coroo, Inês, Rainha de Portugal. Para que assim sejas reconhecida pela História.


Queralt, Maria Pilar del Hierro - Inês de Castro. Lisboa, Dezembro, 2003: Editorial Presença, pp. 134, 135.


Imagem retirada da internet : desconheço o autor


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